Wiki Creepypasta Brasil
Registre-se
Advertisement

Meu nome é X.*, tenho 33 anos, e moro numa cidade bastante movimentada do sul do Brasil. Minha profissão? Sou um desses autônomos, sem carga horária definida e que recebe por serviço prestado. Não é muito, mas o suficiente para que eu possa pagar minhas (poucas) contas sem preocupação. Nunca passou pela minha cabeça ser rico ou coisa assim, apenas viver. Sempre tive para mim que menos é mais.

Quando cheguei aos 21 anos, por opção, ao invés de pensar em comprar uma casa própria, como meus irmãos fizeram, decidi continuar morando com meus pais. Total, aqui tenho tudo, enquanto que lá fora eu deveria me virar com o que tinha e o que não tinha para conseguir tudo de novo. E, por gostar da simplicidade e das pequenas coisas da vida, muitas vezes me chamam de frouxo, mas nem ligo. Sou assim e ninguém vai me mudar.

Sobre meus pais: eles já são idosos, aposentados, porém, ainda muito ativos: meu pai tem ama viajar e praticar atividades físicas; minha mãe adora cozinhar e cultivar suas plantas. Eu e meus pais formamos um núcleo indissolúvel, que só se encerrará no dia em que eles partirem desta para melhor (o que, dada a excelente saúde que eles tem, ainda deve demorar muito a acontecer).

Um dia, há não muito tempo, num domingo nublado, eu e meus pais resolvemos fazer um de nossos muitos passeios motorizados, rumo a qualquer lugar aleatório. Em outras palavras: sair sem rumo, mais pela viagem em si que pelo destino. Sendo moradores do sul do Brasil, temos umas opções bastante interessantes, aqui perto mesmo. Muito já usamos esses passeios aos domingos para refrescar a mente e respirar um ar mais puro, já que nossa cidade é cheia de condomínios e edifícios e, sendo assim, quase não há espaço para a natureza.

Costumamos ter boas memórias desses muitos passeios. Mas esse dia específico prefiro esquecer... e com razão.

Saímos como de costume: preparamos uma sacola térmica com frutas, sucos e água gelada; pegamos uns quatro ou cinco CDs para ouvir no carro; demos comida aos nossos animais de estimação; fechamos a casa e fomos ao mundo. Como sempre, não havia destino pré-definido - escolhemos a esmo, no meio da viagem. Acabamos por chegar a uma cidade muito famosa pelo seu turismo, em especial no inverno e no fim do ano. Já visitamos essa cidade mais de uma vez, em várias ocasiões.

Naquele dia, uma das estradas da cidade havia sido bloqueada para acesso público, devido a obras, por tempo indeterminado. A alegação era de que parte da mesma fora atingida por um temporal muito forte, que derrubou uma árvore enorme e pesada no meio da pista, quebrando o asfalto em pedaços. E, sendo essa estrada na encosta de um morro, houve desmoronamento. Ao menos assim foi a versão oficial.

Mas meu pai, por algum motivo, achou que não era bem assim, e resolveu passar pela estrada bloqueada, já que o carro cabia ali. Minha mãe, não gostando daquilo, disse a ele para que não fosse em frente, mas ele, teimoso como sempre foi, não deu a mínima e continuou dirigindo pela tal estrada.

E aí foi o princípio do maior erro de nossas vidas.

No começo, a estrada parecia normal, exceto pelo pouquíssimo movimento para o padrão de uma rodovia. Suponho que fossem moradores da região dirigindo por ali. Não havia qualquer sinal de obras, em lugar nenhum, nesse ponto. Meu pai seguiu em frente, procurando pela tal obra. Nada. Mais uns vinte quilômetros. Nenhum sinal de obra, apenas uma estrada, agora vazia, sem ninguém mais além de nós três.

Enfim, após uns quarenta quilômetros, chegamos ao verdadeiro bloqueio da obra. Havia um aviso, informando que trespassar aquele bloqueio significaria multa, guincho e prisão. Ali, de fato, não havia outra saída, a não ser retornar. Não havia?

Meu pai olhou para o lado e descobriu uma via de chão batido, cuja entrada fazia bifurcação com a entrada principal. Eu disse a ele que aquilo poderia ser a entrada de alguma propriedade privada, mas ele achou que não, já que não havia nenhuma casa ou coisa do gênero por perto. Então, para tirar a dúvida, resolvi consultar o GPS do meu celular. Desnecessário dizer que não havia Internet naquela zona, e que precisei contar com os mapas offline para a localização.

Procurei alguma indicação de onde aquele caminho poderia levar. O GPS mostrou que estávamos numa estrada, mas não havia nada a respeito daquela via de chão batido. Também não havia qualquer sinal de que aquilo poderia ser particular. Haviam duas opções: ou retornaríamos, ou tentaríamos aquela via alternativa para ver o que haveria lá na frente. Após muita discussão, meu pai resolveu entrar na tal via.

O primeiro trecho dessa via alternativa foi uma subida muito íngreme. Tão íngreme a ponto de a primeira marcha do carro quase não dar conta do recado. Foi necessária muita força para conseguirmos passar por essa subida, fazendo com que o carro gastasse muito mais combustível que o normal. Quando chegamos ao topo, precisamos parar o carro para resfriar o motor.

O segundo trecho era plano, porém cheio de curvas. E ao contrário do primeiro, que era apenas de chão batido, esse também tinha muitas pequenas pedras lisas e redondas espalhadas, como se fosse cascalho altamente polido. Isso fez com que o carro deslizasse às vezes, devido ao fato de essas pedras entrarem em contato com as rodas e fazerem-no perder a aderência à pista. A sorte foi que, apesar de aquele domingo ser nublado, não havia chuva, pois se houvesse, seria derrapagem e acidente grave na certa.

Mas foi a partir do terceiro trecho que a coisa começou a ficar bem mais feia. Nele, percebemos uma encruzilhada de muitos diferentes caminhos, todos com algo em comum: não havia nenhum sinal de vida inteligente, apenas a via, muito mato e mais nada. Não havia a possibilidade de voltar - quando olhamos para trás, percebemos que estávamos perdidos. O GPS nessa hora não funcionou mais, e a bateria do meu celular estava praticamente no fim. Minha mãe estava apavorada; meu pai, confuso. E eu, tentando ser o mais racional possível (apesar de a ocasião não ser propícia para tal), observei cada um daqueles caminhos e tentei imaginar qual deles teria a chance de nos fazer pegar uma estrada movimentada novamente - o que seria indício de caminho certo. Apontei para um à direita, e meu pai resolveu dirigir por ele.

O caminho indicado por mim foi o quarto trecho. Passamos por uma longa seção de via estreita, muito mato, muitas árvores ressecadas pelo sol, e ninguém para pedir informações. Após uns cinquenta quilômetros ininterruptos, chegamos a uma nova encruzilhada, esta com três opções apenas: à esquerda, à frente e à direita. Os caminhos à esquerda e à direita eram muito estreitos e imaginei que carros não poderiam passar por ali, somente motos, bicicletas e pedestres. Logo, a única opção foi seguir em frente. As nuvens deram lugar ao sol escaldante, a temperatura subiu e começamos a nos sentir mal dentro do carro. Nosso estoque de frutas, sucos e água estava chegando ao fim e, com isso, pensei comigo: se tivéssemos que nos perder para sempre, que fosse. Nosso passeio já foi arruinado de qualquer maneira. Foi nesse quarto trecho que um dos galhos secos de uma das árvores atingiu minha mãe - não foi nada demais, apenas um ou outro arranhão, mas o susto foi grande.

Fomos obrigados a parar por um tempo, a fim de recompor as energias. Minha mãe estava mais apavorada do que nunca e já não conseguia mais formular nenhum pensamento. Meu pai começou a ficar irritado com tudo aquilo - o que era compreensível, devido às circunstâncias. Eu, com o pouco de racionalidade que ainda me restava, tentei encontrar alguma forma de sairmos daquela situação - ligar para a Polícia Rodoviária não adiantava, pois a bateria do meu celular já estava toda descarregada e, mesmo que os celulares dos meus pais estivessem com suas baterias quase cheias, não havia nenhum sinal ali. Haveria de ter alguma outra solução.

Havia algo em nosso favor: o nível do tanque de combustível do carro ainda estava acima da metade (em tempo: nosso carro é muito econômico, às vezes faz mais de 20km/L). Então, após o descanso devido a toda a função anterior, dei a ideia de seguirmos em frente, mesmo que isso não significasse muita coisa. Assim foi feito.

Chegamos ao quinto trecho da via. Notei algo diferente ali: um povoado. Achar algo assim pode ser coisa banal, mas se considerarmos que passamos pela mais completa ausência de civilização por um longo tempo...

Enfim, entramos no povoado. Haviam poucas casas ali, mais uma escola, um supermercado, uma pequena loja de roupas, uma igreja e um salão de festas, além de uma outra construção um pouco maior, que imaginei ser a prefeitura. O curioso é que aquele povoado parecia parado no tempo: ninguém usava celular, nem existia rádio digital, TV LED, computador, essas coisas. Os principais meios de comunicação à distância ainda eram o telefone discado e as cartas; as fontes de notícias dominantes ainda eram velhas TVs de tubo em preto-e-branco e o jornal local. Os homens ainda usavam calças, camisas e sapatos como se fossem de meio século atrás; as mulheres usavam vestidos de tecido, à moda antiga; as crianças em geral usavam ou macacão, ou calças curtas com suspensório, ou vestidinhos rodados, conforme o gênero. O ponto comum entre todos era a fisionomia: magros, loiros e de pele clara. "Descendentes de alemães", pensei comigo. E, aparentemente, todos eram luteranos, já que a igreja tinha um "IECLB" na fachada, e boa parte deles estava dentro ou em volta do salão de festas - possível festa da igreja? Não sei, parecia. Também não vi carros modernos naquele local, a não ser o nosso.

Num primeiro momento achei que aquelas pessoas nos estranhariam, devido à nossa fisionomia totalmente diferente, tendo pele não tão clara e cabelos escuros, e também por aparentemente sermos os únicos a estarem dirigindo um carro moderno ali - pelo que pude perceber, os poucos carros que haviam naquele local datavam de 1964 a 1966. Mas essa minha impressão se tornou infundada. Meu pai, sem outra alternativa, parou o carro e perguntou a um dos habitantes, um senhor de idade, aparentando seus mais de 60 anos, como se fazia para chegar a alguma estrada grande disponível. Esse senhor, muito simpático, nos disse para retornar e, ao invés de sair por onde viemos, seguir em frente, pelo caminho principal.

Minha mãe estava exausta devido aos acontecimentos anteriores, e naquele momento dormia no banco. Meu pai seguiu dirigindo conforme aquele senhor nos indicou - como já estávamos totalmente sem noção de localização e não tínhamos nada mais a perder, foi o jeito. Em dado ponto do trajeto, nos deparamos com um enorme buraco no meio da rua - e agora?! Mas então olhei para a esquerda e notei mais outro caminho de chão batido. Parecia ser o único existente, então, meu pai foi por ele.

Esse foi o sexto trecho da via, e aí ficou claro que algo estava muito, muito, mas muito errado mesmo. Claramente não foi maldade por parte do senhor de idade que nos indicou esse caminho, pois era quase certo que ele nem imaginava a existência do buraco atrapalhando a rua - aquele, pelo que notei, era justamente o caminho para a estrada federal mais próxima.

Esse trecho de chão batido era uma longa descida, não tão íngreme como a subida do primeiro trecho, mas o suficiente para que fosse necessário usar freio motor. Ao contrário de todos os outros trechos, esse era de mão única, e tudo o que pudemos fazer foi descer. Àquela altura a sacola térmica já estava vazia e, se precisássemos matar a fome, o jeito seria pegar frutas de alguma árvore que surgisse no meio do caminho; se quiséssemos beber água, somente em caso de encontrarmos alguma fonte natural. E naquele momento nem eu, nem meu pai, nem minha mãe nos importamos com mais nada, só fomos descendo e pronto.

O caminho foi ficando mais e mais difícil, com mato fechado e cada vez menos luz solar, devido às copas das árvores nativas tapando tudo. Após uma descida que pareceu durar quase duas horas, chegamos numa parte onde o caminho dobrava abruptamente à direita - sorte que meu pai dirigiu bem devagar, pois do contrário, teríamos batido forte na rocha logo à frente.

Não havendo outra possibilidade, dobramos à direita e continuamos, no que seria o sétimo e último trecho da via. E foi aí que aconteceu o pior que poderia ter acontecido.

Chegamos ao limite desse trecho, onde havia um enorme pavilhão protegido por arame farpado e cerca elétrica. Não notamos ninguém ali, mas o local claramente não estava abandonado, pois o ruído emanado do complexo era bem alto e, pelo que percebi, havia um protocolo rigoroso de vigilância. Esse trecho da via dava diretamente ao portão desse complexo, que estava lacrado com várias correntes e fechadura eletrônica.

O portão era dividido em duas partes e, na parte esquerda, havia um aviso, em letras bem grandes:

NÃO

ENTRE

Na parte da direita havia outro aviso, em letras menores, mas ainda bem legível:

INVASORES

SERÃO

BALEADOS

SEM

PRÉVIO

AVISO

Naquele momento ouvimos vários estampidos, como se fossem tiros de espingarda. Aquilo, mais que tudo, nos deixou congelados, sem ação. Minha mãe, que estava cochilando no carro, acordou de sobressalto. Era óbvio que, se algum de nós tivesse a ideia idiota de sair do carro, a morte seria instantânea. E o pior: não havia como retornar, não da forma convencional.

Nisso ouvimos vários gritos, provavelmente oriundos daquele complexo, e a intensidade dos tiros começou a aumentar. Ali pelas tantas, um desses tiros passou de fininho perto do vidro da porta traseira direita. Se o ângulo fosse um pouquinho diferente, provavelmente eu não estaria aqui para contar o que houve, pois meu corpo e os dos meus pais já teriam virado uma poça de carne, ossos, sangue e fluídos corporais.

Mas, felizmente, meu pai achou uma forma de retornar. Ele deu marcha à ré, saindo daquele local estreito o mais rápido possível; depois, dirigiu pelo mesmo trecho que veio. Porém, não foi nada fácil: o dia já estava terminando, começou a chover e, sendo que esse trecho na ida era uma descida, o carro patinou várias vezes para subir, já que o solo ficou muito escorregadio. A mão era única, mas àquela altura as leis de trânsito já não se aplicavam mais: o que importava era salvarmos nossas vidas. Estávamos todos cansados, famintos e sedentos, e o jeito era sair dali, fosse como fosse. Se demorássemos um pouco mais, teríamos sucumbido.

No final das contas, de alguma forma, conseguimos escapar de toda aquela encrenca. Tivemos que andar por muitos e muitos outros trechos, uns de chão batido molhado, outros de pedra, outros mal asfaltados...

Já era noite escura quando finalmente encontramos uma rodovia federal. Assim que os pneus do carro tocaram aquele asfalto, finalmente respiramos aliviados, apesar de todo o cansaço, a fome e a sede. Ainda foi possível encontrar um posto 24 horas para reabastecer o carro, nos alimentarmos e descansarmos. Veja bem: descansar, não dormir. Porque sono não havia.

Após tudo isso, conseguimos chegar em casa sãos e salvos, e finalmente pudemos tomar banho e deitarmos em nossas camas.

No dia seguinte, acordamos muito mais tarde que o normal, e tudo parecia não se encaixar. Fui ver como estava o carro e, estranhamente, apesar de tudo, ele parecia intacto, sem nenhum arranhão sequer. Minha mãe, que havia sido tomada pelo mais puro terror no dia anterior, estava muito bem, cuidando de suas plantas como de costume, e já preparando o almoço do dia. Meu pai, que antes ficou esgotado devido aos eventos transcorridos, já estava em sua caminhada matinal e planejando a próxima viagem com a família. E eu estava trabalhando em casa, como se nada tivesse acontecido.

Até hoje não sei bem o que houve naquele dia. Será mesmo que fomos parar em algum lugar indevido? Teria tudo isso sido apenas um pesadelo? Não tenho como saber, e nem quero, pois fiquei traumatizado. Só tenho um conselho a quem quer que esteja lendo isso: se você estiver dirigindo e, de repente, surgir alguma barreira de trânsito, OBEDEÇA. Ou sabe-se lá o que pode lhe acontecer.

* dados ocultados por motivos de segurança

Advertisement