Wiki Creepypasta Brasil
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Meus olhos se abriram e nada viram. Estava escuro. Ouvi o som do vento soprando lá fora. No mundo além dos cobertores estava bastante frio, mas me levantei pois a vontade súbita de ir ao banheiro era mais forte que o frio, ainda que o banheiro da casa ficasse no andar de baixo.

Mas tudo bem, bastava me levantar e descer correndo até lá, fazer o serviço e em poucos minutos estaria de volta ao meu quarto, de volta ao mundo dos cobertores, quente e aconchegante.

Meus olhos pesados se acostumaram aos poucos à escuridão, então afastei os pesados cobertores para o lado e me levantei lentamente. Andei até a porta e então percebi algo estranho.

Pareciam vozes em algum lugar da casa.

Instintivamente olhei para o pulso, mas o relógio não estava ali, é claro. Então olhei para o pequeno relógio que tinha perto da minha cama. O mostrador digital mostrava 00:00hrs em grandes algarismos vermelhos.

- Meia-noite ainda? - murmurei franzindo a sobrancelha.

Voltei até a porta e a abri. O som das vozes era mais alto no corredor e vinham da sala, lá em baixo.

Eram várias vozes falando ao mesmo tempo e risadas acompanhando-as.

O que é isso? Meus pais ficaram malucos?

Andei devagar pelo corredor tentando entender o que estava acontecendo.

Eu me lembrava de ter ido dormir às 23:30hrs e meus pais já tinham ido se deitar antes de mim. Tinha mesmo se passado apenas meia hora desde que eu tinha ido deitar?

Quando cheguei à escada e ia pisar no primeiro degrau ouvi uma porta rangendo atrás de mim. Era o escritório do meu pai.

Uma pequena garota com cabelo encaracolado loiro me olhou curiosa e sussurrou:

-Você não deveria estar aqui. - Em seguida ela entrou no escritório e fechou a porta. Eu fui até lá e abri a porta.


Quem era aquela menina para estar no lugar em que meu pai trabalhava e que brigava até mesmo comigo para não entrar ali?!

Quando abri a porta o que vi me deixou paralisado.

O pequeno cômodo estava totalmente diferente. No lugar das grandes estantes e do computador de meu pai haviam prateleiras coloridas cobertas de livros infantis e ursos de pelúcia. As paredes haviam mudado de branco a um rosa pálido.

A garotinha estava sentada sobre um tapete no chão, brincando com mais duas crianças, um pouco mais novas que ela. Percebi que as crianças usavam roupas estranhas. As garotinhas usavam grandes vestidos coloridos, com vários detalhes de rendas e seus sapatos eram brancos, com meias compridas cor-de-rosa saindo de dentro deles até serem escondidas debaixo da aba da saia. O cabelo delas estava bem penteado e preso por fitas vermelhas.

O menino usava um sapato de couro preto e sobre a camisa social branca usava suspensório. Seu cabelo estava penteado para trás e o brilho do gel era tão reluzente quanto o do sapato preto. Ambos me olharam ao mesmo tempo sem expressão alguma e disseram ao mesmo tempo numa voz sussurrante:

-Você não deveria estar aqui.

Eu não consegui dizer nada. Algo no olhar daquelas crianças me fez sentir um calafrio na espinha.

Voltei apressado para a escada. Desceria e perguntaria aos meus pais o que significava tudo aquilo.

Desci as escadas com o som das vozes e risadas cada vez mais altos ao meu encontro.

Quando cheguei no fim da escada caí sentado com o choque: Meus pais não estavam ali na sala.

Havia uma porção de pessoas, a maioria aparentava estar acima da casa dos 50 anos de idade. Mas o que me deixou completamente aterrorizado foi o aspecto das pessoas: Os homens vestiam ternos suntuosos, alguns com sobretudos, alguns com cartolas. Os mais velhos com longas barbas, os outros com enormes bigodes. Alguns deles usavam monóculos.

As mulheres, todas elas, usavam vestidos compridos. Todos eles usavam trajes de cor escura, indo do marrom escuro até o preto profundo.

"Mas quem são vocês?!" - foi a pergunta que se formou em minha mente, mas não consegui traduzir em palavras.

Ao mesmo tempo percebi que a sala estava diferente. Os móveis eram diferentes. O conjunto de sofás vermelhos havia sido trocado por cadeiras de encosto alto, todas muito bem trabalhadas em madeira.

O rack com a TV e a colecção de filmes em Blu-Ray havia sido trocado por uma grande lareira que queimava e exalava calor para toda a sala.

Então os velhos notaram minha presença ali sentado no pé da escada e me olharam com uma expressão de espanto.

As mulheres soltaram um grito agudo. Os homens se levantaram e murmuraram coisas como "que ultraje", um "intruso!".

E começaram a vir em minha direcção. Eram 5 homens ao todo.

De início não consegui me mover, meu cérebro tentando processar todas as bizarras informações. Mas então um dos homens sacou uma pequena pistola e a ergueu na minha direcção.

Me ergui de um pulo e subi correndo a escada, quando um tiro zuniu, raspando em minha perna esquerda e cravando num dos degraus no alto da escada.

Cheguei ao corredor lá em cima e a única coisa que pensei foi correr para meu quarto e me trancar lá.

Corri a passos largos o mais rápido que pude enquanto ouvia os passos apressados subindo a escada. Consegui chegar ao quarto a tempo e tranquei a porta atrás de mim.

Me afastei da porta ainda olhando fixamente, como se pudesse ver através dela os homens que me perseguiam, um deles com uma arma de fogo em mãos, disposto a me matar.

Mas meus passos atrás foram interrompidos quando tropecei em algo e caí de costas no chão. A luz então se acendeu e o que eu vi ali me deixou ainda mais aterrorizado.

Lá no alto de pé ao meu lado estava uma garota. Ela usava o que parecia um grande vestido branco, mas que percebi ser um traje para dormir. Ela me olhava com olhos verdes inchados de sono. Se agachou ao meu lado, sem tirar os olhos dos meus e então sussurrou:

- Você não deveria estar aqui. - sua expressão era tão inexpressiva quanto o das crianças lá no escritório do meu pai.

- Quem é você?! - foi tudo o que consegui dizer.

- Meu nome é Alice. Espere um momento, vou te mandar de volta pro seu devido lugar. - respondeu ela e então levantou-se foi até a porta.

- Não! Não abra a porta! Eles querem me matar! - gritei, mas ela apenas me olhou por cima do ombro e vi um pequeno sorriso de desdém se formar no canto de sua boca.

Ela abriu a porta, e eu me lancei na direcção da cama, me escondendo atrás dela e esperando pelos tiros. Mas então ouvi a garota dizendo:

- Aconteceu de novo... E vocês me censuram quando digo que deveríamos demolir essa maldita casa. Vou mandar o pobre garoto de volta para a casa dele. E vocês voltem lá para baixo e deixem-no em paz. Ele já está bastante assustado e vocês podiam ter matado um inocente!

Ouvi os passos se afastando lentamente. E então o silêncio.

Levantei a cabeça cuidadosamente e olhei por sobre a cama na direcção da porta que agora estava aberta.

O corredor estava vazio, mas podia-se ouvir as conversas recomeçarem lá em baixo e as risadinhas das crianças no que deveria ser o escritório do meu pai.

Um minuto depois passos vieram da escada e a garota dos olhos verdes voltou trazendo algo em sua mão direita.

Ela entrou no quarto e fechou a porta atrás de si.

- Deite-se na cama. - Disse ela e ficou parada olhando fixamente para mim.

- O que você vai fazer?! - indaguei assustado, agora que percebera que o objecto na mão dela era um tipo de estaca de metal pontiaguda.

- Vou te mandar de volta. Como eu disse, você não deveria estar aqui. Agora deite-se!

A garota parecia realmente querer me ajudar. Seus olhos diziam isso. Então apenas me deitei na cama.

Ela andou até mim, levantou as duas mãos, segurando firme o objeto e o enfiou em minha barriga. Eu gritei, mais de susto do que de dor. Tudo escureceu e eu gritei. Gritei. Gritei.

Então alguém me chacoalhou, uma mão pesada em meu ombro.

- Filho, acorde! Você tá bem? - Disse uma voz de mulher.

- Calma, Sonia. Ele teve apenas um pesadelo. - Um homem respondeu.

Demorou um pouco para minha mente se situar em meio à confusão mas então percebi com imenso alívio que ali estavam meus pais, olhando com olhos indagadores para mim. Eu estava suado, apesar do frio. Os cobertores haviam caído no chão.

Me sentei na cama e disse com uma voz fraca:

-Tá tudo bem, foi só um sonho ruim...

Me levantei e fui até o banheiro. No caminho passei pelo escritório do meu pai. A porta entreaberta deixava ver o interior cheio de estantes com papeis, pastas e a mesa do computador estava encostada na parede oposta como sempre.

Nada de crianças. Nada de brinquedos ou malditos ursinhos de pelúcia. Desci a escada e a sala estava como devia estar. A TV, o rack, o conjunto de sofás vermelhos.

No banheiro, lavei o rosto suado e comecei a rir ao ver meu reflexo no espelho e ver minha cara de bobo. Voltei ao meu quarto, mas foi então que eu vi.

Ao subir a escada, lá estava, cravado num dos últimos degraus, um pequeno buraco. No mesmo lugar onde uma bala havia cravado no meu estranho sono.

Ao mesmo tempo, senti um ponto na minha perna começar a arder. Puxei a barra da calça para cima e quase rolei escada abaixo quando vi ali na minha perna esquerda um risco de sangue seco e pólvora.

Mas decidi não dizer nada aos meus pais. Afinal podia ser tudo apenas uma grande coincidência. Podia ter machucado a perna sem perceber e o furinho ali na escada podia ser qualquer coisa.

Assim voltei para o quarto e dei boa noite aos meus pais. Eles fecharam a porta após saírem e foi então que notei algo que me deixou ainda mais assustado. Ali no vão escondido atrás da porta estava riscado na madeira:

"Alice. 1878."

Em baixo da assinatura havia um pequeno vão entre a madeira da porta e o cimento da parede. Ao me aproximar notei um pequeno pedacinho de papel saindo e o puxei. Era um bilhete.

"Agora você está onde deveria estar."

lipesg

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